A
beleza perturbadora da destruição
‘A Estética da Desconstrução’ reúne
50 fotografias que retratam o abandono das
ferrovias no interior do Estado
João
Nunes Do Correio Popular nunes@cpopular.com.br
A
última viagem de trem de passageiro de Campinas a
Panorama (oeste do Estado) em maio de 2001 foi um
triste acontecimento histórico. Acabava ali um
ciclo do qual o trem era o meio de locomoção por
excelência. O fotógrafo Kenzo Sasaoka estava lá
para perpetuar a viagem por meio de imagens.
Foi, segundo ele, uma forma de documentar o
momento. Hoje, Kenzo abre a mostra de fotografias
A Estética da Desconstrução na Estação Cultura,
resultado de muitas outras viagens, desta vez de
carro, refazendo o mesmo
trajeto.
Infelizmente, o que se vê na
mostra é a decadência total do tal ciclo. “Quis
mostrar o abandono pelo qual passam as estações de
trem pós-privatizações”, define o fotógrafo
campineiro formado no ano passado pela Faculdade
Senac, de São Paulo. A exposição, a propósito, é
resultado do trabalho de conclusão do curso. “A
mostra não é apenas o resultado de uma viagem de
trem ao interior de São Paulo ou um documento das
marcas do tempo na história. É uma viagem em
direção à memória, ao ‘relembrar’ que pode influir
no futuro. É um ato de otimismo que insiste em
resgatar o ‘belo’ de onde ele se perdeu”, escreve
Kenzo na apresentação da mostra.
A idéia da
exposição surgiu justamente naquela última viagem
de trem. Há um ano ele iniciou o trabalho que
visava “mostrar a degradação através da estética”.
A degradação, lembra, já estava acontecendo, mas
algumas estações estão preservadas ou em processo
de preservação – mesmo que não seja para a razão
pela qual foram criadas. Casos de Campinas e de
Limeira – esta virou sede da Guarda Municipal,
aquela sedia a Secretaria de Cultura, Esportes e
Turismo. “As que estão preservadas não aparecem,
só as degradadas”. Colocar os prédios que estão
sendo utilizados para algum fim, segundo ele,
fugia ao propósito do trabalho. “Quis mostrar que
ainda existe esperança de que o patrimônio seja
reconstruído”.
A mostra reúne 50 fotos
tiradas em cerca de 30 estações – com exceção de
alguns trens abandonados, cujas fotos dão início à
melancólica “viagem” pelo abandono do patrimônio
histórico. “São detalhes de arquitetura, em geral,
que revelam o abandono”. A estética surge em meio
dos – em alguns casos – verdadeiros escombros. “Um
teto aberto em forma de prisma por onde entra a
luz”, por exemplo.
História
Aquela tal última viagem em maio de
2001 ajudou Kenzo a pensar na possibilidade de
fazer o trabalho, mas, antes, pesquisou a história
das ferrovias para embarcar no projeto sabendo
onde queria chegar. Claro, encontrou surpresas nas
viagens. “Estar no lugar é mais agressivo do que
passar por ele”, constata. Ao mesmo tempo, captou
sensações estranhas como sentir-se “observado” na
solidão das estações. “A solidão contrasta com o
ambiente do passado, cheio de gente; hoje, ficou a
marca invisível de tudo aquilo”.
Em alguns
lugares, como Cordeirópolis, encontrou “moradores”
na estação. Um mendigo só o deixou fotografar o
local depois de “pagar pedágio”. Em geral, relata
Kenzo, é curioso encontrar estações abandonadas no
meio das cidades. Estas cresceram em torno
daquelas e se desenvolveram, mas os prédios estão
lá “como se o tempo tivesse parado”.
As
fotos são em cores, opção estética de Kenzo. “A
cor traz um resultado mais real; o preto-e-branco
ameniza a agressividade da destruição, além de
romantizá-la”. O fotógrafo fez 3 mil imagens e
selecionou as 50 da mostra usando os critérios do
gosto, da estética e da qualidade.
Kenzo,
fotógrafo desde 1996, traz imagens expressivas,
como a Estação Aymorés, em Bauru, que Egas
Francisco – que faz a apresentação da exposição
– chama de “verdadeiro Matisse” a invasão das
plantas por uma das portas da estação. Ou o humor
do banheiro onde se lê “reservado para senhoras”,
em Brotas; o velho relógio no alto da estação de
Dois Córregos, que o mesmo Egas chama de “o
relógio das nuvens”; e o poético prisma de luz que
invade o prédio abandonado, citado pelo próprio
Kenzo.
A Estética da Desconstrução –
Exposição de fotos de Kenzo Sasaoka. Abertura
hoje, na Estação Cultura (Praça Marechal Floriano
Peixoto, s/n, centro). Entrada franca. Visita: de
segunda a sexta-feira, das 8h às 20h. Até 30 de
novembro. |